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[Vinicius de Moraes]

 

A Arca de Noé
O
Leão

 

 

 
 
 

A Arca de Noé

 
  Sete em cores, de repente
O arco-íris se desata 
Na água límpida e contente 
Do ribeirinho da mata. 

O sol, ao véu transparente 
Da chuva de ouro e de prata 
Resplandece resplendente 
No céu, no chão, na cascata. 

E abre-se a porta da Arca 
De par em par: surgem francas 
A alegria e as barbas brancas 
Do prudente patriarca 

Noé, o inventor da uva 
E que, por justo e temente 
Jeová, clementemente 
Salvou da praga da chuva. 

Tão verde se alteia a serra 
Pelas planuras vizinhas 
Que diz Noé: "Boa terra 
Para plantar minhas vinhas!" 

E sai levando a família 
A ver; enquanto, em bonança 
Colorida maravilha 
Brilha o arco da aliança. 

Ora vai, na porta aberta 
De repente, vacilante 
Surge lenta, longa e incerta 
Uma tromba de elefante. 

E logo após, no buraco 
De uma janela, aparece 
Uma cara de macaco 
Que espia e desaparece. 

Enquanto, entre as altas vigas 
Das janelinhas do sótão 
Duas girafas amigas 
De fora a cabeça botam. 

Grita uma arara, e se escuta 
De dentro um miado e um zurro 
Late um cachorro em disputa 
Com um gato, escouceia um burro. 

A Arca desconjuntada 
Parece que vai ruir 
Aos pulos da bicharada 
Toda querendo sair. 

Vai! Não vai! Quem vai primeiro? 
As aves, por mais espertas 
Saem voando ligeiro 
Pelas janelas abertas. 

Enquanto, em grande atropelo 
Junto à porta de saída 
Lutam os bichos de pelo 
Pela terra prometida. 

"Os bosques são todos meus!" 
Ruge soberbo o leão 
"Também sou filho de Deus!" 

Um protesta; e o tigre — "Não!" 
Afinal, e não sem custo 
Em longa fila, aos casais 
Uns com raiva, outros com susto 
Vão saindo os animais. 

Os maiores vêm à frente 
Trazendo a cabeça erguida 
E os fracos, humildemente 
Vêm atrás, como na vida. 

Conduzidos por Noé 
Ei-los em terra benquista 
Que passam, passam até 
Onde a vista não avista 

Na serra o arco-íris se esvai . . . 
E . . . desde que houve essa história Quando o véu da noite cai 
Na terra, e os astros em glória 

Enchem o céu de seus caprichos 
É doce ouvir na calada 
A fala mansa dos bichos 
Na terra repovoada.

Δ

O Leão

(inspirado em William Blake)

Leão! Leão! Leão!
 Rugindo como um trovão
Deu um pulo, e era uma vez
Um cabritinho montês.

Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação!

Tua goela é uma fornalha
Teu salto, uma labareda
 Tua garra, uma navalha
Cortando a presa na queda.

Leão longe, leão perto
Nas areias do deserto.
Leão alto, sobranceiro
Junto do despenhadeiro.
Leão na caça diurna Saindo a correr da furna.
Leão! Leão! Leão!
Foi Deus que te fez ou não?

O salto do tigre é rápido
Como o raio; mas não há
Tigre no mundo que escape
 Do salto que o Leão dá.
Não conheço quem defronte
O feroz rinoceronte.
Pois bem, se ele vê o Leão
Foge como um furacão.

Leão se esgueirando, à espera
Da passagem de outra fera . . .
Vem o tigre; como um dardo
Cai-lhe em cima o leopardo
E enquanto brigam, tranqüilo
O leão fica olhando aquilo.
Quando se cansam, o Leão Mata um com cada mão.

Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação!

Δ

 

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